quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Eu na Cova dos Leões

Sempre é bom sair do psiquiatra. Ele pediu que eu procurasse ouvir músicas que gostasse para afastar aqueles pensamentos.

Decidi ir malhar. Assim posso espantar do corpo a angústia ao mesmo tempo.

No mp3, Legião Urbana, o timbre mais-que-perfeito:
Aquele gosto amargo do teu corpo ficou na minha boca por mais tempo de amargo então salgado ficou doce...

A letra foi engrossando nas camadas do cérebro:
felação,
sexo oral,
boquete,
blowjob,
bolagato.

Tenho a mente pervertida, constato. Renato segue dissonante:

Teu corpo é meu espelho e em ti navego...

É androcentrismo, do puro. Era um caso dele, só isso. Afinal, ele jura segredo na letra.

Não é misoginia.

Algumas distinções existem para que eu viva melhor: por exemplo gostar muito mais de homens que de mulheres não é o mesmo que odiar.

Nem todas as canções gay têm ódio às mulheres embutido. São letras que simplesmente desconsideram nossa existência, mero desvalor.

Não, não há terrorismo. Renato Russo é um gay genuíno. Muito diferente dos neogays fabricados pela mídia. O marketing fabrica isso para vender mais, é óbvio. O neogay é mais que dragqueen: compra mais que duas mulheres juntas.

Gay verdadeiro é gay antes que achassem bonito. Antes de achar chique ter franja. Antes da moda hetero+homo= hemo. Renato Russo é um gay roots. Não faz apologia, não tem medo das mulheres, não traz mensagens embutidas, dissimuladas tipo o Jacko.

Tenho pavor de manipulação. Franqueza, por outro lado, a-do-ro.



Daniel na Cova dos Leões
Aquele gosto amargo do teu corpo
Ficou na minha boca por mais tempo
De amargo então salgado ficou doce,
Assim que o teu cheiro forte e lento
Fez casa nos meus braços e ainda leve
Forte, cego e tenso fez saber
Que ainda era muito e muito pouco.

Faço nosso o meu segredo mais sincero
E desafio o instinto dissonante.
A insegurança não me ataca quando erro
E o teu momento passa a ser o meu instante.
E o teu medo de ter medo de ter medo
Não faz da minha força confusão
Teu corpo é meu espelho e em ti navego
E eu sei que a tua correnteza não tem direção.

Mas, tão certo quanto o erro de ser barco
A motor e insistir em usar os remos,
É o mal que a água faz quando se afoga
E o salva-vidas não está lá porque
Não vemos

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Cara-de-pau

O calor na cidade está terrível.

Eu não costumo me queixar do clima porque acredito que isso faz com que eu me sinta ainda pior.

O que posso fazer a respeito, simplesmente faço: ar condicionado onde trabalho, ventiladores sempre que possível, roupas frescas, comidas leves, piscina o quanto antes e, é claro, muito líquido.

Procuro beber água, mais que qualquer outro refresco. Evito refrigerantes, uso sucos de fruta sem açúcar.

Portanto, em um dia como o de hoje, a cada esquina, paro. Busco um banheiro ou uma geladeira. É o movimento padrão para reequilíbrio da homeostase.

Num desses passeios ao refrigerador, alcanço a água Ouro Fino. Flavorizada com maçã. Não enxergo o quanto é fálica instantaneamente.

Depois de perceber, eu procuro disfarçar. Eu tento fugir das minhas ilusões. Acredito em meu psiquiatra, desde que me lançou o petardo da "inveja do pênis", eu me policio.

Mas, em casos como o de hoje, não tenho por onde escapar. A embalagem da água foi dominando meus sentidos.

Dizia mentalmente "não é um pênis, não é um pênis".

Mas a tampinha cônica, o corpo em tubo com sulcos e a cor restrita ao topo foram mortais. Meu delírio é impaciente: já estavam tecidas conjunturas e provas no pensamento.

"Eu não posso estar errada desta vez".

Sempre que penso o mantra da verdade, sei que é tarde.

Venho escrever para tentar me aliviar da culpa de ter visto um pênis de novo ou de imaginar a perseguição que este modelo faz. Tento arrazoar minha mania.

Não tenho sucesso.

Termino mais convencida que antes de que a Ouro Fino integra a conspiração fálica mundial que pretende exterminar as mulheres dos cargos de chefia.

Imagino qualquer uma de nós empunhando este formato de garrafa d´água no meio de uma reunião: será o fim do respeito às nossas ordens. Ao baixar o tubo da boca, que moral restará para chefiar um grupo de homens?

E entre eles, já pensou?

"Quer um gole?"

Oferece ao amigo. Que cena trágica!

Procure a Ouro Fino pelas gôndulas e mande sua opinião. Estou sedenta de novas visões.

Até,
Paola.